Relátórios de economia
25/9/2025

Cai mais ou não cai, eis a questão

Por

Cristiane Quartaroli

Saber para onde irá a taxa de câmbio no curto, médio ou longo prazo, chega a ser mais complicado do que as reflexões que Hamlet teve sobre a vida, a morte e o sentido da existência em seu famoso, profundo e filosófico monólogo. Mas somos brasileiros (e economistas) e não desistimos nunca, então, viemos aqui , mais um ano, em mais um relatório, tentar adivinhar qual o verdadeiro sentido da existência, quer dizer, para onde vai o dólar no final deste ano – que, por sinal, nem falta tanto tempo assim para terminar.

 

Pois bem, a pergunta que mais recebemos por aqui é: quanto estará o câmbio no final do ano, ou no final do mês, do dia... não importa o prazo, o que todos que trabalham com comércio exterior ou possuem investimentos e familiares em outros países querem saber é qual será a taxa de câmbio do futuro, seja ela no curto, médio ou longo prazo. E nossa resposta rápida é sempre a mesma: não sabemos! E, de fato, taxa de câmbio é uma das variáveis mais difíceis de se projetar (muito mais do que os pensamentos de Hamlet), seja pelas características técnicas do mercado, seja por que a evolução da taxa de câmbio envolve muitas outras variáveis e acontecimentos que podem mudar tudo em questão de segundos, até mesmo a alteração na previsão do tempo. Ou seja, é algo totalmente aleatório, uma peça que pode ser interpretada de várias formas distintas, com finais completamente diferentes.

Contudo, economista que é economista (economista brasileiro então...) não se contenta com a falta de previsibilidade, cenários nebulosos ou com a possibilidade de algo sair fora do trilho de forma inesperada. Para que isso não aconteça, gostamos de traçar cenários e designar probabilidades para esses cenários. E é isso que vamos fazer neste relatório. Algo que já fizemos em outros anos e que serve para tentarmos desvendar qual caminho nosso personagem principal irá percorrer e qual será a cena final desta trajetória. Vamos lá?

Para traçar nossas cenas, quer dizer, nossos cenários, vamos partir de uma taxa de câmbio média observada ao longo do mês de setembro, que foi de aproximadamente US$/R$ 5,38.

Cena 1 – Ser: Neste cenário, a conjuntura externa começa a dar sinais de alívio: o governo americano ameniza ou retira as tarifas impostas aos países, a inflação desacelera de forma mais clara em economias desenvolvidas, permitindo que bancos centrais — como o Fed e o BCE — deem continuidade ao ciclo de corte de juros. Esse movimento tende a fazer com que parte dos fluxos financeiros de capitais (especulativos ou não) sejam encaminhados para as economias emergentes – Olá Brasil!! – No Brasil, continuaria existindo uma tendência de queda da inflação, embora ainda acima do centro da meta, mas suficiente para oferecer espaço para o Banco Central começar a reduzir a Selic gradualmente ainda neste ano. Contudo, o recuo esperado seria mais moderado do que muitos analistas projetam, em função das incertezas fiscais ainda existentes. No campo fiscal, supõe-se que o governo consiga manter o arcabouço fiscal sob controle, com cortes de gastos ou contenção de despesas não obrigatórias, aprovação de medidas de responsabilidade fiscal e avanços em reformas estruturais (tributária, administrativa, etc.), embora não necessariamente tudo seja implementado rapidamente. Essa estabilidade política/fiscal reforçaria a confiança dos investidores. Com esse conjunto — juros externos em queda, inflação doméstica cedendo, reformas avançando — o crescimento potencial do Brasil melhoraria um pouco. Assim, nosso astro maior, a taxa de câmbio, teria uma apreciação gradual até o final do ano, possivelmente chegando perto de US$/R$4,60-4,80, dependendo do grau de entusiasmo dos mercados.

Cena 2 – Ou não ser: Aqui, as economias centrais ainda enfrentam alguns dilemas. Embora haja melhora nos dados de inflação, podem surgir alguns choques como aumento em alguns preços por conta do tarifaço americano, tensões geopolíticas, ou efeitos de oferta de produtos — que podem adiar cortes mais expressivos das taxas de juros. As autoridades monetárias (nos EUA e na Europa) manifestam preocupações com inflação ainda resistente em serviços ou com expectativas inflacionárias não totalmente ancoradas. Esse ambiente externo incerto gera risco para emergentes como o Brasil que, mesmo com inflação interna desacelerando (parte disso por conta da redução nos preços administrados ou de alimentos), tem o Banco Central obrigado a manter uma postura mais cautelosa. Ou seja: cortes de juros devem começar apenas no início de 2026. No campo fiscal, as reformas seguem aparecendo, mas com atraso ou parcialidade — há disputa política, dificuldades de consenso e o risco fiscal ainda é relevante. Projeções de crescimento ficam mais contidas: o Brasil cresce, mas em ritmo modesto. Quanto ao câmbio, nosso personagem principal, o real permanece sob alguma pressão fronteiriça, variando dentro de uma faixa de desvalorização moderada frente ao dólar, ou seja, entre US$/R$5,00 e US$/R$5,20, dependendo de ondas externas de incerteza ou aversão ao risco.

Cena 3 – Eis a questão:  Neste cenário, não há melhora sustentável nas economias centrais. Os choques (sejam de oferta, geopolíticos ou de custos)persistem ou aumentam, o governo americano lança mão de um novo tarifaço mais agressivo, a inflação ressurge em muitos países e os bancos centrais precisam fazer uma pausa no ciclo de corte de juros ou até aumentar as taxas para conter as pressões. No Brasil, esses impactos externos somam-se às tensões domésticas, ou seja, a inflação volta a mostrar sinais de “segunda onda”, principalmente nos preços de serviços e insumos importados por conta do aumento dos custos mundiais em decorrência do tarifaço mais agressivo. As expectativas inflacionárias se desancoram; o Banco Central se vê obrigado a manter a Selic em patamar elevado (em 15% a.a. ou talvez até acima, se houver pressão mais forte). Cortes de juros são praticamente inviáveis no curto prazo. Do lado fiscal, falta de consenso ou atrasos nas reformas, crescentes pressões nos gastos obrigatórios, já pensando no cenário eleitoral de 2026, e risco de que o arcabouço fiscal seja insuficiente para acomodar choques adversos. As projeções de crescimento se deterioram, com expectativa de crescimento abaixo de 2% ou até estagnação, dependendo da magnitude do desajuste externo. Isso se refletiria num dólar mais forte frente ao real, numa faixa entre US$/R$5,70 a US$/R$5,90, com volatilidade elevada.

Conclusão: Por fim, o que queremos mostrar aqui é que há mais de um final possível para nosso protagonista que, inclusive, poderá pular de uma cena para outra no meio do espetáculo, vai depender de qual cena o leitor prefere escolher (veja resumo na tabela). Nós tendemos a acreditar que as cenas do espetáculo 2 serão predominantes até o final deste ano, com dias em que teremos atores mais otimistas, e em outros nem tanto. De certa forma, é o que temos observado desde o início deste ano – uma melhora na percepção da economia brasileira como um todo. As projeções dos principais indicadores macroeconômicos melhoraram, o PIB deve crescer mais do que se esperava no início do ano, a inflação está cedendo e as projeções para nossa taxa de câmbio também. Contudo ainda temos uma taxa de juros muito elevada, um dos motivos que contribui de alguma forma para o ingresso de fluxo de capital (ainda que especulativo) para o Brasil, permitindo o alívio em nossa taxa de câmbio. Acreditamos que esse comportamento pode continuar ao longo dos próximos meses. Mas, como sempre vale frisar, o que o economista mais sabe fazer é errar projeção! Então, caros leitores, fiquem à vontade para escolher a cena que mais lhes convém, pois certeza mesmo ninguém tem. Hamlet que o diga!

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Everyday economy

A summary of the main events of each day that may influence the exchange rate, all in less than 1 minute.

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