Relátórios de economia
19/4/2023

Da transição aos 100 dias

Por

Cristiane Quartaroli

O período de transição entre os governos tem início no segundo dia útil após anúncio do vencedor da eleição e é um processo em que o novo grupo de pessoas eleitas assume o controle do governo do país. Durante esse período, há uma série de reuniões, documentos e informações compartilhadas para garantir que a nova equipe tenha conhecimento completo sobre a situação atual do governo, incluindo projetos em andamento, orçamentos e outros assuntos importantes. O objetivo é garantir que a transição seja tranquila e organizada, minimizando impactos negativos que possam afetar a população que depende dos serviços públicos. Em resumo, a transição do governo é um momento crítico para garantir a continuidade da governança, a transparência e a estabilidade institucional, para que o país possa seguir em frente de maneira eficiente e sem grandes sobressaltos.

Contudo, podemos dizer que a transição do governo Bolsonaro para o governo Lula foi um tanto quanto conturbada. Por um lado, Bolsonaro se recusou a participar desse processo, deixando o Brasil mesmo antes de entregar a faixa presidencial; por outro, tínhamos (e temos ainda) um país bastante polarizado, o que resultou em variadas manifestações, com destaque para a invasão no Congresso no início do ano, demandando esforços extras do novo governo para tentar acalmar os ânimos da população.

Passado o período de transição, iniciamos 2023 com o novo governo em ação e podemos dizer que pouca coisa andou nos primeiros 100 dias iniciais. Até agora, a prioridade do governo foi o relançamento de programas antigos, implantados em gestões petistas anteriores, como o Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida e Mais Médicos, sem uma nova marca; além da suspensão de algumas medidas do governo Bolsonaro, como a retirada de algumas estatais da lista de privatização. Não houve, de fato, entrega de nenhum grande projeto para o Congresso, quando pensamos em política econômica. O arcabouço fiscal, que é visto como um dos principais objetivos do novo governo, foi planejado ao longo do período de transição e entregue após os primeiros 100 dias. A proposta veio para substituir a antiga regra do teto dos gastos e prevê que o crescimento de despesas deverá ser limitado a 70% da receita do ano anterior. A ideia é zerar o déficit primário já em 2024, além de garantir compromisso de trajetória para o superávit até 2026, com meta e banda de variação tolerável. Contudo, a proposta ainda passará por discussão e aprovação no Congresso, ou seja, ainda tem muito chão pela frente.

E, claro, nem só de transição vive um governo e a principal intenção de se fazer uma transição e início de governo bem feitas é ser reconhecido pela opinião pública, ou seja, transformar todo o trabalho desses primeiros meses em pontinhos positivos nas pesquisas de avaliação – o que também não aconteceu. A avaliação do novo governo foi bastante controversa e polarizada nos primeiros 100 dias (veja no gráfico). Embora o presidente Lula tenha recebido uma avaliação positiva, melhor do que a observada no início do governo Bolsonaro, ela ficou abaixo das avaliações recebidas pelo atual presidente nos dois primeiros mandatos. Além disso, é importante destacar que a avaliação negativa foi bastante significativa, mostrando um país ainda “com o pé atrás” com o novo governo. Será que melhora daqui pra frente? Depende, afinal, ainda temos muitos dias de novo governo e os próximos meses serão cruciais para avaliar o impacto das medidas já implementadas e para entender se a população brasileira será beneficiada por essas mudanças/medidas ou não.

Sobre os impactos em nossa economia. Como podemos avaliar esses primeiros meses com base nos indicadores macroeconômicos? Em que pé andam os principais indicadores macroeconômicos (que já temos disponíveis, claro), durante esse período de transição? O nível de atividade econômica mostrou alguma recuperação nos primeiros dados divulgados no início deste ano. A produção industrial mostra sinais de melhora e o volume de vendas do varejo teve desempenho recorde em janeiro deste ano (veja no gráfico). Embora a taxa de juros ainda esteja em patamar elevado, a desaceleração recente da inflação pode ter contribuído para esse comportamento.

Além disso, a desaceleração da inflação também contribuiu para dar um fôlego aos indicadores de confiança, tanto do empresariado, quanto do consumidor (veja no gráfico). Claro que a melhora deve-se também à redução do fator incerteza após o período eleitoral, mas não podemos deixar de avaliar de forma positiva esse movimento observado nos indicadores de confiança. Eles são fundamentais para o comportamento das expectativas, já que um empresário confiante está mais propenso a investir e contratar; enquanto que um consumidor confiante tende a consumir mais e, assim, movimentar a economia (foi o que vimos no varejo acima, lembram?).

Então, a desaceleração recente dos indicadores de inflação foi fundamental para esse melhor desempenho da economia no início do ano. Para se ter uma ideia, o IPCA acumulado em 12 meses saiu de 5,79% em dez/22 para 4,65% em março deste ano. Muito desse comportamento está relacionado à queda de alguns preços administrados, como  dos combustíveis, por exemplo. Mas há uma desaceleração em curso também em itens ligados aos produtos industrializados (veja no gráfico) – comportamento bastante relacionado à desaceleração do câmbio nestes três primeiros meses do ano.


Mas olhando as projeções, podemos dizer que o cenário ainda está bastante incerto. Por um lado existe ainda uma grande dúvida sobre o comportamento da nossa moeda ao longo dos próximos dois anos, com mercado projetando câmbio ainda acima dos US$/R$5,0. Isso, somado às indefinições sobre a política fiscal, deixa a projeções de inflação ainda nas alturas, acima da meta, tanto para este ano quanto para 2024. E, embora os dados mais recentes de inflação tenham vindo abaixo do esperado, animando os otimistas de plantão, as projeções para a Selic permanecem acima de dois dígitos para os próximos dois anos. Contudo apesar de projetar inflação e juros ainda pressionados, parece que a expectativa para o crescimento é de alguma resiliência, já que as projeções de PIB estão sendo revisadas para cima – a conta-gotas, é verdade – mas não deixam de indicar uma esperança boa. Em nossa o opinião, se o governo tiver sucesso com a tramitação do arcabouço fiscal ao longo dos próximos meses, é possível que as projeções fiquem um pouco mais otimistas do que estão agora. Um maior compromisso fiscal pode impactar positivamente sobre o comportamento da inflação e, consequentemente dos juros. Além de ser um fator de incerteza a menos para nossa taxa de câmbio. Veja tabela com as projeções do mercado e qual a nossa sinalização.

Sabemos que ainda é cedo para dizer que teremos uma mudança significativa e positiva na nossa economia no curto prazo, pois temos muito chão pela frente. Embora os primeiros 100 dias não tenham sido tão positivos quanto deveriam (ou gostaríamos), as sinalizações mais recentes deixam no ar um tom de dúvida que nos faz acreditar que talvez os resultados efetivos surpreendam as projeções mais pessimistas deforma positiva. Claro que vamos depender muito da evolução do arcabouço fiscal – em análise no Congresso - e de outras tantas questões de cunho político (como as reformas, por exemplo) para que de fato tenhamos um crescimento mais sustentável até o final do mandato desse novo governo. Assim ao menos esperamos!

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