
Por
Michele Loureiro
Cristiane Quartaroli
Para empresas que dependem de exportação, importação, custos dolarizados ou captação em moeda estrangeira, 2026 deve começar com um ambiente de câmbio mais sensível a choques e mudanças de expectativas. O ponto de partida é a interação entre dois vetores: as forças globais que moldam o dólar no mundo e os fatores domésticos que amplificam ou moderam seus efeitos no Brasil. Segundo Cristiane Quartaroli, economista-chefe do Ouribank, essa convergência define o mapa de riscos do próximo ano. “Trajetória de inflação nos Estados Unidos e política do Fed (banco central americano), choque geopolítico, risco fiscal e político no Brasil, crescimento chinês mais fraco que o esperado são os principais fatores que podem influenciar o cenário em 2026”, afirma.
O pano de fundo internacional segue determinante. Em 2024, o Federal Reserve manteve os juros no nível mais alto em mais de duas décadas. Já em 2025, o mercado passou a revisar sucessivamente o momento em que teria início o ciclo de cortes — um ajuste que se transfere quase instantaneamente para as moedas emergentes e deve seguir presente em 2026. Como explica Cristiane, “quando os mercados precificam que vai acontecer um corte de juros nos Estados Unidos, há uma melhora no apetite ao risco por emergente. E quando essas expectativas de corte recuam, o dólar se fortalece”.
Esse movimento está ligado ao apetite global por retorno. “Isso tem a ver com o que a gente chama de carry trade, que é o efeito do diferencial de juros entre os países, e por causa dele acontece esse movimento.” Pequenas surpresas nos dados de inflação ou atividade nos Estados Unidos tendem, portanto, a redefinir posições de investidores e a orientar fluxos financeiros para 2026. A sensibilidade aumentou nas últimas semanas porque a próxima reunião do Fed, marcada para os próximos dias, deve sinalizar o ritmo de normalização monetária que influenciará o comportamento do dólar no início do próximo ano.
Além da política monetária, o ambiente externo carrega pressões adicionais. Economias desenvolvidas ainda apresentam resistência inflacionária, o que dificulta a convergência global de preços e mantém o prêmio de risco elevado. “Ainda assim há sinais de persistência em algumas grandes economias, e isso acaba mantendo o prêmio de risco elevado e volatilidade”, diz Cristiane. A geopolítica também compõe esse quadro. “Tensões ao redor do mundo também elevam risco e sustentam preço de componentes importantes, como energia e metal, em patamar elevado.” Petróleo e minério seguem como canais diretos de transmissão entre choques globais e moedas emergentes.
A China completa o ambiente que as empresas brasileiras precisam monitorar. “O ritmo da economia chinesa acaba impactando no preço das commodities. E aí, por efeito cascata, acaba reverberando nas moedas dos países emergentes.” Como o Brasil exporta minério, soja, carnes e petróleo para o país asiático, qualquer desaceleração mais forte tende a influenciar o real em 2026.
Embora o cenário global aponte alguma melhora gradual para moedas emergentes, esse alívio deve ser limitado. “Os bancos centrais avançados devem fazer cortes limitados e graduais nas taxas de juros. O mercado já precifica alguns cortes, e isso tende a ser positivo para o mercado emergente”, afirma Cristiane. Ainda assim, o Brasil carrega fatores próprios que restringem uma apreciação mais expressiva. “Embora o diferencial de juros ajude as moedas emergentes e o real, a gente tem um fator político-fiscal que limita uma melhora mais expressiva da nossa moeda.”
No campo doméstico, três frentes serão decisivas. “O primeiro é o risco político. A incerteza sobre o cenário eleitoral e nomes, e suas propostas fiscais, têm impacto imediato sobre o prêmio de risco.” Historicamente, os meses que antecedem a escolha dos candidatos aumentam a volatilidade dos ativos brasileiros. A segunda variável é o fiscal. “A disciplina fiscal vai ser um foco importante depois das eleições. Qualquer deterioração no quadro fiscal pode elevar o prêmio soberano e pressionar a taxa de câmbio.” A terceira é a atividade econômica. “Se a economia brasileira começar a se deteriorar mais do que o mercado espera, o Banco Central pode diminuir a taxa de juros, reduzindo a atratividade local e abrir espaço para uma depreciação também do dólar.”
Para empresas com exposição internacional — exportadoras, importadoras, multinacionais e companhias com dívidas em dólar — o conjunto de pressões externas e internas reforça a necessidade de um planejamento mais técnico para 2026. O próximo ano deve exigir estratégias de hedge mais calibradas, monitoramento contínuo do calendário do Fed, atenção redobrada ao ambiente político-fiscal doméstico e maior agilidade para reagir a choques.
A interação entre riscos globais e condicionantes internos reduz a previsibilidade e reforça um diagnóstico central: 2026 será um ano em que o câmbio demandará proteção, leitura estratégica e capacidade de adaptação permanente.
Um resumo dos principais acontecimentos de cada dia que podem influenciar na taxa de câmbio, tudo isso em menos de 1 minuto.
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